Se você é um judeu português ou estrangeiro vivendo em Cascais com a família, faça parte deste novo ponto de encontro, vamos formar a Comunidade Judaica de Cascais. Nosso foco é a atividade socio-cultural judaica. Seja bem vindo ao nosso espaço. Entre em contato: comjcascais@gmail.com.

Are you a foreign jew in Cascais? Welcome to our meeting point to a social jewish life in Cascais! Let's make a new comunity to born. Be in touch: comjcascais@gmail.com.

VENHA PARTICIPAR!!!

ENTREVISTAS ESPECIAIS CASCAIS JEWS

Resultado de imagem para sufganiot
A primeira participação em nossa Página de Entrevistas é da historiadora Irene Flunser Pimentel.Nesta época de Chanuká, onde a tradição manda comer sufganiot (ou sonhos no Brasil ou Bola de Berlim em Portugal), ela nos conta a história da chegada destes bolos a Portugal através das mãos das judias alemães fugidas do nazismo. Saiba como e porque elas foram introduzidas em Portugal... 
                   
A chegada das «Bolas de Berlim» a Portugal
Irene Flunser Pimentel
Em 6 de Outubro de 1935, chegavam a Portugal, no navio alemão «Kap Arcona», vindo de Hamburgo, Ruth Davidsohn (por casamento, Ruth de Carvalho), a irmã e os seus pais, uma antiga química e um consultor de galerias de arte. Como partiram precocemente da Alemanha nazi, devido às perseguições que o regime lhes moveu, por serem judeus, conseguiram trazer os seus móveis e inúmeros haveres, num contentor («Lift»), despachado, em Setembro desse ano, de Berlim. Escolheram Portugal como terra de exílio, devido aos factos de os tios de Ruth, Hugo e Lily Losser, já aí se encontrarem, de ser um país da Europa, sem fronteiras com a Alemanha nazi, e ao mesmo tempo um porto de partida à beira do Atlântico, em caso de emergência.
Além disso, Portugal também lhes pareceu simpático, pois não havia ainda dificuldades burocráticas, graças a um acordo luso-alemão de 1926 que dispensava vistos nos passaportes, e os estrangeiros podiam então trabalhar por conta própria, bem como obter a autorização de residência, por um ano, prorrogável. O tio de Ruth trabalhava, por exemplo, em importação de máquinas automáticas de chocolates, com a fábrica chocolateira «Favorita», tendo a primeira vindo no «Lift» da família Davidsohn.
Com parte do dinheiro trazido, o pai de Ruth comprou uma loja de relógios, mas, o negócio falhou, quando de tornou difícil importar relógios da Suíça e da Alemanha, devido ao início da guerra. A família viveu então dificuldades financeiras e o pai meteu mãos à obra, vendendo, de forma ambulante, «quinquilharias» (óculos de sol e lâminas de barbear), enquanto a mãe começou a fazer «bolas de Berlim» caseiras, com compota de freutos vermelhos, distribuídas pelo pai e pelas duas filhas, entre os elementos da colónia alemã de Lisboa, que não tinham então qualquer «problema» em comprar a judeus.
Muitos dos refugiados que vieram, para Portugal, nos anos trinta, e sobretudo na vaga do Verão de 1940, tiveram de improvisar para ganhar a vida. Devido à crise financeira de 1929, vários governos, incluindo o português, introduziram diplomas que dificultavam o acesso dos estrangeiros a licenças de trabalho. No caso de Portugal, a primeira legislação limitativa do trabalho aos estrangeiros foi instituída em 1930, prevendo multas para os que se empregassem por conta de outrem. Depois, os sucessivos governos de Salazar geriram, de forma nacionalista, a potencial concorrência estrangeira no débil mercado de trabalho português.
No preâmbulo de uma lei, que, em Julho de 1933, proibia, aos estrangeiros, o trabalho por conta de outrem, nos ramos onde se verificasse desemprego, esclarecia-se que o diploma se devia à «dolorosa situação» dos «desempregados da classe comercial» e não visava dificultar a vida dos estrangeiros em Portugal, mas apenas impedir que estes tirassem «o lugar aos empregados portugueses». Outro decreto impôs, no mesmo ano, que as empresas, tanto nacionais como estrangeiras, só poderiam empregar estrangeiros com a autorização especial do Subsecretariado de Estado das Corporações e da Previdência.
Mas, nessa época, Portugal não era obviamente um país de imigração e só uma minoria de estrangeiros aqui exercia a sua profissão, habitualmente por conta própria, em empresas de import-export, ou como representantes de empresas estrangeiras. Desde que não competissem com os portugueses, também podiam exercer uma profissão liberal. Já os funcionários públicos e operários careciam, a partir de 1936, de uma licença laboral que só lhes era concedida no caso de não haver nenhum cidadão portu­guês disponível com qualificação equivalente.
Tal como a família de Ruth de Carvalho foi provavelmente a introdutora da popularidade das Bolas de Berlim, também refugiados búlgaros influenciaram a feitura do Iogurte, na pastelaria «Casa Veneza», situada na Avenida da Liberdade em Lisboa. «Charcutaria Suiça», na Rua do Ouro, perto do Rossio, propriedade de um refugiado judeu, com autorização de residência, começou, no final da guerra, a comercializar o «Yogurte Oriental», como refere um anúncio da revista Filmagem (20/6/45). Os bolos húngaros foram igualmente introduzidos, por alguns refugiados, que os puseram à venda na pastelaria «Império», nas Escadinhas de Santa Justa, e no café «Palladium», na Praça dos Restauradores.
Ilse Losa (1913-2006), natural de Osnabrück, fugida à Gestapo e chegada ao Porto, em 1934, começou por ser governanta de crianças e dar lições privadas de alemão, ante de se tornar numa conhecida escritora. Um advogado de Görlitz abriu a primeira lavandaria do Porto e uma licenciada de Berlim foi costureira, nos seus primeiros anos de exílio, enquanto Kurt Saalfeld, director comercial da editora alemã Ullstein, criou, em Portugal, uma firma de importação de máquinas de impressão. Por seu lado, Siegfried Weinberg, chegado a Portugal em 1937, começou por trabalhar na Relojoaria Alemã de Isaak Wackmann, além de fazer objectos de utilidade doméstica que depois vendia nos mercados. No final dos anos trinta, fundou, na Rua Ferreira Borges em Coimbra, uma empresa de importação e exportação de vidros e utensílios domésticos (Weinberg Lda.) e, depois da guerra, em 1951, ergueria em São João da Madeira, a conhecida empresa de colchões Molaflex.
Em Abril do mesmo ano de 1936 em que Siegfried Weinberg fugiu de Hanau, na Alemanha, chegou a Lisboa, no navio «Monte Olívia», o casal Herbert e Ursula August, de Magdeburgo. Apenas traziam consigo 10 marcos, uma bicicleta e uma máquina de cozer. Enquanto Ursula cozia para fora, Herbert começou por vender, de forma ambulante, gravatas, lâminas de barbear e outros objectos. Depois, o casal introduziu, em Portugal, os primeiros ursos de tecido (Teddybear), confeccionados por Ursula, que vendiam às lojas de brinquedos, tanto em Portugal, como em Angola e Moçambique.
Alguns, embora poucos, entre os que chegaram nos anos trinta, conseguiram ainda exercer a sua profissão. O médico patologista, Dr. Friedrich Wohlwill, natural de Hamburgo, ingressou, no Instituto Português de Oncologia. Chegado a Portugal, em 1934, Wohlwill foi recomendado, três anos depois, junto de Salazar, pelo Professor Pulido Valente, aliás, um adversário político do ditador, para preencher a cátedra de Anátomo-patologia, ate então inexistente em Portugal. Em Março de 1938, o capitão Paulo Cumano, da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), avisou o governo português que 5.000 médicos iam deixar a Alemanha e que a sua fixação em Portugal «seria funesta para os médicos nacionais».
Essa preocupação espalhou-se aos deputados da Assembleia Nacional, que aprovaram, em Abril 1939, a lei n.º 1976, proibindo o exercício de Medicina a todos os estrangeiros que não tivessem feitos exames de equivalência, até 28 Fevereiro desse ano. Por exemplo, o médico alemão, Edmund Israel Werner, chegou a Portugal em 24 de Fevereiro de 1939, e solicitou, seis semanas depois, a prestação de provas, mas foi-lhe recusado o pedido para montar uma clínica na Madeira. Mas, nesse período, já havia muito que tinham começado a surgir nos jornais portugueses anúncios reveladores da forma como alguns refugiados escapavam à proibição do exercício de uma profissão por estrangeiros. Veja-se apenas um dos muitos que foram publicados, na secção de anúncios do Diário de Notícias: «Explicações de alemão e inglês» (6/4/1941). Em Março de 1942, juntou-se à proibição do exercício de outras profissões liberais, o impedimento de engenheiros e arquitectos estrangeiros trabalharem em Portugal.





[1] Este texto baseia-se no meu livro, Irene Flunser Pimentel, Judeus em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial (Lisboa, A Esfera dos Livros, 2006)


Irene Flunser Pimentel



Irene Flunser Pimentel é licenciada em História pela Faculdade de Letras da Unive rsidade Clássica de Lisboa, mestre em História Contemporânea (século XX) e doutorada em História Institucional e Política Contemporânea, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Elaborou diversos estudos sobre o Estado Novo, o período da II Guerra Mundial, a situação das mulheres e a polícia política durante a ditadura de Salazar e Caetano. É investigadora do Instituto de História Contemporânea (FCSH da UNL), tendo coordenado, até Junho de 2012, o projecto, financiado pela FCT, «Justiça Política na Transição para a democracia em Portugal (1974-2008)». Em 2007, recebeu o Prémio Pessoa, atribuído pelo Expresso e pela Unysis. Neste momento está a realizar um projecto de Pós-Doutoramento, aprovado pela FCT, intitulado «O processo de justiça política relativamente à PIDE/DGS, na transição para a democracia em Portugal». É autora e co-autora de diversos livros, entre os quais se contam:

Judeus em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial. Em Fuga de Hitler e do Holocausto (Esfera dos Livros, 2006)

Mocidade Portuguesa Feminina (Esfera dos Livros, 2007)

- Vítimas de Salazar. Estado Novo e Violência Política (Esfera dos Livros, 2007), em co-autoria com João Madeira e Luís Farinha;

Biografia de um Inspector da PIDE (Esfera dos Livros, 2008)

Cardeal Cerejeira. O Príncipe da Igreja, (Esfera dos Livros, 2010).

- Espiões em Portugal durante a Segunda Guerra Mundial (Esfera dos Livros, 2013)

Obras já publicadas pelo autor
Judeus em Portugal durante a II Guerra Mundial
Vítimas de Salazar
Mocidade Portuguesa Feminina
Biografia de um Inspector da PIDE
Cardeal Cerejeira
Espiões em Portugal durante a II Guerra Mundial
O comboio do Luxemburgo